segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Guanabara e Libertadores

Na quarta passada, começou a Libertadores 2008 para o Flamengo. O jogo, o Flamengo foi bisonho: um empate safado contra o Coronel Bolognesi (quem?!). Resultado devidamente debitado na conta do Joel. Para compensar, ontem vencemos a semi-final da taça Guanabara, jogando contra aquele time. Aliás, como já é mais que hábito em partidas decisivas entre os dois clubes. Do jogo de ontem, ficou claro que – se o Joel deixar o time jogar como deve – o Flamengo pode fazer uma bela participação na Libertadores e no Brasileiro que está por vir.

Para comemorar a vitória de ontem e tentar inspirar Joel e o time para a copa continental, segue um texto enviado pelo amigo Jefferson. O texto é longo, mas vale a pena.

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Final da copa Libertadores da América
(Francisco Moraes e José Carlos Nascimento)

Quando ganhamos do Cobreloa, no Rio, começamos os preparativos para a segunda partida, em Santiago. Corremos atrás de patrocínio e batemos de frente no muro. Nada de patrocínio e o Cláudio enlouquecendo.

Ele alugou um ônibus e não conseguia fechar as contas porque todo mundo queria ir, mas grana que é bom, necas. (...) O Cláudio teve que vender o carro às pressas, no dia da viagem, porque a empresa queria 50% de sinal e o restante na volta. Foi um sufoco. Nós fizemos uma vaquinha e completamos a quantia necessária. Ficou então combinado que a excursão sairia segunda feira, às duas da tarde, da porta do Maracanã.

Na hora da viagem o Cláudio só deixou embarcarem os torcedores que, além da passagem paga, tinham o mínimo de dinheiro para se manter no Chile. Só embarcaram 28. (...) No ônibus estavam Gustavo Villela, José Carlos Nascimento - que se tornou meu companheiro inseparável de viagem -, tia Laura (da Charanga), Beto (presidente da União da Ilha), Loyola e outros de quem não consigo lembrar o nome. Aliás, a presença do Beto fez do samba da Ilha o hino oficial da caravana.

“É hoje o dia da alegria e a tristeza não pode pensar em chegar...”

Saímos por volta das três da tarde, diretamente para Santiago. O plano era chegar quinta-feira, véspera do jogo, descansar e assistir a partida com conforto, sem corre-corre. Pedimos ao Domingo Bosco que comprasse os ingressos (pagamos!!!). Até Mendoza (Argentina) tudo correu bem. Viagem cansativa mas sem maiores problemas (...).

De Mendoza pode-se ver toda a imponência da Cordilheira dos Andes. Começamos a subir e nosso ônibus não agüentou. Putz!!! Conserta daqui, mexe dali, fomos obrigados a voltar para a cidade. Isso atrasaria a viagem em um dia e nos obrigaria a sair correndo para Santiago em cima da hora.

No dia do jogo, bem cedo, embarcamos para Santiago. Eram 6 da manhã e a viagem seria de 6 horas, o que deixava tempo para fazer alguma coisa. Subimos a cordilheira, mas o ônibus quebrou de novo, nos deixando a mais de três mil metros de altitude. Para nossa sorte, vinha atrás um ônibus argentino, que ia para Santiago. Conversa vai, conversa vem, todo mundo pulou para dentro.

Já eram 18h30 quando, finalmente, chegamos a Santiago (o jogo era às 20h). Corremos para o hotel do Flamengo, mas a delegação já havia saído. Todavia, o Bosco tinha deixado o recado: os ingressos estavam na bilheteria do estádio, à nossa disposição. Fomos para o estádio, com uma fome de matar leão e (...) nossos lugares eram bem no meio da torcida deles.

O Estádio Nacional pulava, cantava, tremia... E a gente apanhava, apanhava, apanhava... Levamos porrada, cusparada, beliscão, puxão no cabelo (e olha que a polícia estava nos protegendo). A única coisa de que gostamos foi quando eles começaram a jogar laranjas, bananas, uvas. Era pegar, limpar e comer. Com a fome que estávamos, melhor só se eles tivessem jogado filé, batata frita e arroz.

Perdemos o jogo, que foi uma verdadeira batalha campal. Os jogadores do Flamengo saíram do gramado como se tivessem participado de uma guerra na Palestina. O Mário Souto (zagueiro do Cobreloa) jogou com uma pedra na mão. Quebrou as cabeças do Adílio e do Lico. Foi terrível. O pior de tudo é que agora tínhamos que sair dali direto para Montevidéu, campo neutro, onde seria realizada a partida decisiva. Por sorte, nosso ônibus estava consertado e aguardava a galera na porta do estádio.

Saímos do estádio escoltados pela polícia que, por vício, sentava o pau em qualquer chileno que chegasse perto. Entramos no ônibus e fomos para um restaurante fora de Santiago, comer alguma coisa e planejar a viagem para o Uruguai. No fundo, no fundo, não estava nos planos de ninguém esse alongamento da excursão. Ficou decidido que voltaríamos de ônibus até a fronteira entre Argentina e Uruguai. Ali, o ônibus voltaria para o Brasil, levando quem não podia ou não queria continuar a viagem. O resto cruzaria a fronteira e seguiria por conta própria para Montevidéu.

Havia muita tensão no ônibus (...). Com a inesperada extensão da viagem, só quem tinha dinheiro ou poderia conseguir no Uruguai continuaria. Foi uma choradeira só. Imagina! Os caras estavam há seis dias no maior sufoco e na hora do filé... Nos despedimos dos que voltaram prometendo a vitória a qualquer custo. Do grupo original só ficaram 15. Atravessamos a fronteira de balsa e, imediatamente, pegamos um ônibus para Montevidéu. O jogo era na segunda-feira à noite, e nós chegamos domingo, no final da tarde.

(...) À noite fomos ao hotel da delegação e o Bosco (sempre ele) nos deu ingressos para o jogo. Foi uma noite tensa, pelo cansaço e pela emoção da decisão. Ninguém admitia perder. Nós tínhamos mais time, mas os chilenos bateram tanto em Santiago que deu medo do Flamengo se intimidar.

E começaram a chegar vários flamenguistas que tinham vindo ver o jogo. Três aviões lotados. Muita gente de carro, principalmente da fronteira. A cidade começou a ficar vermelha e preta. A alegria retornou. Na segunda-feira, hora do jogo, devíamos ser aproximadamente uns três mil.

(...)

Estava todo mundo tenso, estressado, cansado e duro. Nem a chegada de outro grupo de torcedores, em quatro aviões fretados, melhorou o nosso astral. Estávamos há uma semana sem dormir direito, com uma alimentação sofrível e ainda tendo que esperar pela decisão.

Apesar de tudo, estávamos confiantes. Afinal, tínhamos o melhor time do planeta: o melhor jogador do mundo e, para mim, o melhor que já vi jogar (e olha que eu vi Pelé, Maradona, Platini, Sócrates, Rivelino, Tostão...); um goleiro que deveria ser titular da Seleção (Raul); Leandro e Júnior, os melhores laterais do mundo; uma zaga de nível de Seleção (Marinho e Mozer); e, do meio campo pra frente, era até covardia – Andrade, Adílio, Tita, Nunes e Lico. No banco, jogadores de categoria e nosso técnico Paulo Cesar Carpegiani que, como jogador, depois do Zico, não vi melhor no Brasil. Como técnico, era um discípulo de Coutinho. Por trás de todos esses craques, o homem que era presidente, supervisor, auxiliar técnico, massagista etc.: Domingo Bosco. Como perder, irmão? Impossível.

A torcida uruguaia era toda nossa. Havia também uns cinco mil argentinos flamenguistas. Para o lado do Chile, nem quinhentos gatos pingados. Começou o jogo e, com um minuto, o Andrade dividiu com um chileno e isolou a bola, que foi parar em Santiago. Eu olhei para o Zé Carlos, que estava do meu lado, e disse:
- Zé, o time tá mordido, vamos meter uns três neles.

E o Zé, que nunca foi muito católico, olhou para o alto, como se rezasse, e falou, com os olhos cheios de lágrima:
- Tomara, Moraes, tomara. Se a gente perde esta, vai ser duro de agüentar. Volto a pé.

(No ano seguinte, quando perdemos para o Peñarol, em pleno Maracanã, o Zé só foi embora uma da manhã, expulso pelo guarda que fechou o estádio. Andou até o Leblon! Se perdêssemos aquele jogo, era bem capaz dele querer sair andando até o Rio, sim.)

A razão da minha confiança era justamente a disposição do Andrade. Aprendi a ver nele o termômetro do Flamengo. Andrade era um jogador altamente técnico, acima da média. Se no começo do jogo ele entrasse rachando ou dando chutão para onde o nariz apontasse, aí o time todo jogava sério. É que as jogadas começavam com ele no meio campo. Se rebolasse, a coisa ia ficar ruim (...).

A pancadaria começou cedo e um chileno foi expulso. Metemos o primeiro (Zico). O Andrade se excedeu e também foi expulso. Mas em nenhum momento tive medo de perder a partida. Pelo menos, até o juiz anular um gol nosso e começarmos a perder muitas oportunidades. Aí, comecei a me preocupar, até que o Zico fez aquele gol de falta, no finzinho do jogo. Detalhe: na hora do gol do Galo, nossa galera, ao invés de gritar de felicidade, se abraçou e começou a chorar... O estádio Centenário todo pulando, gritando “é campeão!” e nós sentados e chorando. A galera sequer viu o soco do Anselmo no Mario Soto.

Depois do desabafo entramos na folia, comemorando o título nas ruas de Montevidéu, ao som do samba da Ilha.

“É hoje o dia da alegria e a tristeza não pode pensar em chegar...”

Fizemos nossa festa na cidade, com buzinaço, grito e alegria inimaginável! “OBRIGADO SÃO JUDAS TADEU. OBRIGADO MEU DEUS”. A gente não cabia de felicidade. Porra, o meu Mengão era Campeão das Américas. Cantamos até às quatro da manhã. Aí, caiu a ficha! Tínhamos que voltar para o Rio, de “ônibus”, que saía para Porto Alegre via Chuí. De Porto Alegre, outro para o Rio. Seriam, aproximadamente, 60h. Somente a alegria nos dava força para agüentar a barra. Nego não agüentava mais segurar nem um tamborim. O cansaço era insuportável, mas tínhamos vencido a Libertadores, e agora era uma questão de honra ir a Tóquio, ver o Mundial. A América do Sul era nossa. Só faltava o Mundo!!!

Depois de 400 dias dentro de ônibus, finalmente chegamos a Porto Alegre, após uma viagem que parecia ter durado um mês. O pior é que, de ônibus, estávamos ainda a 24 horas do Rio. Nisso, o Zé Carlos me chamou num canto e disse:
- Moraes, não dá mais. Estou morto. Vamos para o Rio de avião?

Eu estava com o mesmo pensamento, mas como abandonar o barco? Como largar a galera? Pensei mais um pouco e chamei o Zé e o Cláudio.
- Zé, vamos juntar toda nossa grana com a da galera e ver quantas passagens de avião podemos comprar, topas?
- Claro, era isso que estava pensando!!!

Chamamos a galera e, conta daqui, junta dali, completa aqui, intera ali, deu para comprar todas as passagens. Não dava nem para acreditar que seria verdade. Que, dentro de 2h30, eu estaria em casa. Na praia...

Pegamos a grana e fomos ao balcão comprar as passagens; aí, ouvimos a voz da burocracia nacional:
- Lamento dizer, mas o vôo foi cancelado por falta de passageiros. Eu sou colorado, e quero ver vocês irem a pé para o Rio de Janeiro.

A princípio, pensávamos que era uma brincadeira, de muito mau-gosto, por sinal. Mas era sério: a Varig tinha cancelado o vôo. Protestamos, esperneamos, ameaçamos brigar e nada. Enquanto isso, calado num canto, o Zé Carlos assistia a tudo. Num certo momento, ele se vira e vai em direção a uma cabine telefônica. Uns minutos depois ele volta, mais quieto ainda, e me diz:
- Moraes, sai de perto da confusão e vamos ver como o Brasil funciona.

Sem entender nada, perguntei:
- O que você quer dizer com isso?
- Liguei para a minha avó, no Rio, e pedi uma mãozinha. Ela ainda conhece umas pessoas na Varig e o sobrenome ainda vale alguma coisa (o avô do Zé era um general grandão, que chegou a ministro e disputou a Presidência da República com o Gal. Médici).

Não demorou muito o burocrata colorado, muito a contragosto, chamou o grupo:
- O voô foi reaberto, vocês podem comprar as passagens e embarcar - falou, cheio de gentilezas.

Que babaca. Nós saímos rindo da cara dele. Embarcamos e 3 horas depois eu estava no calçadão, contando a aventura pra galera.

No dia seguinte, já estávamos embarcando para Volta Redonda – decisão do terceiro turno do Campeonato Carioca. Continuamos a colecionar títulos e fomos Campeões Cariocas, batendo o Vasco em três partidas memoráveis. Antes, tivemos que testemunhar a morte do grande Capitão Cláudio Coutinho, o maior técnico que o Brasil já teve.

3 comentários:

Anônimo disse...

Muuuuuito legal...

Anônimo disse...

Gustavo, acho que nosso time pode ser mais ofensivo, principalmente contra equipes limitadas como o Coronel Bolognesi e o atual time do bacalhau. Aliás a turma do tamanco armou escalação bastante ofensiva par anos enfrentar e nós ficamos mais uma vez com o Marcinho muito tempo no banco e assitimos o sonolento Jonatas em campo. O flamengo tem que jogar com dois atacantes, no caso Souza e Tardelli e um meia ofensivo, na falta do Renato Augusto a saída é o Marcinho. Caso cntrário ficamos dependentes e óbvios com as jogadas do Léo Moura, Juan e Ibson. Quando o Klebérson e o Jonatas adquirirem ritmo de jogo eles vão render mais, porém não podemos deixar os dois jogando juntos nessas condições.

Anônimo disse...

Caro Gustavo,
Você foi muito feliz nesse seu post sobre nosso Flamengo -consagrando-se campeão da América. A descrição está fantástica e conseguimos visualizar toda a trajetória do seu grupo nessa inesquecível aventura.
Sou neto de Domingo Bosco, e fico muito feliz e emocionado em ler tantas palavras lindas referentes a meu querido avô e sua linda trajetória no clube da gávea. Um dia, quem sabe (sempre foi meu maior sonho), não terei a oportunidade de seguir seus passos e poder colocar o nome da família mais uma vez na história do nosso rubro-negro. Parabéns novamente pelo blog e, especialmente esse artigo.


Grande abraço e muito obrigado!

Me deixaste realmente emocionado
Rodrigo Bosco
rbosco11@hotmail.com